[1] Cf. as explicações de Sproul sobre contradição em: R. C. Sproul. Defendendo sua Fé: Uma Introdução à Apologética. Rio de Janeiro: CPAD, 37-38.
domingo, 23 de maio de 2010
O PODER DA PALAVRA
[1] Cf. as explicações de Sproul sobre contradição em: R. C. Sproul. Defendendo sua Fé: Uma Introdução à Apologética. Rio de Janeiro: CPAD, 37-38.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
MUNDANISMO NA IGREJA
O discípulo amado, em sua primeira epístola, fez-nos admoestações importantes concernentes a não amarmos o mundo, pois há incompatibilidade, segundo ele, entre amarmos o mundo e sermos amados pelo Pai (1 Jo 2.15). O apóstolo ainda dirá, mais tarde, que o mundo jaz no maligno, mas que podemos vencê-lo pela fé (5.4, 19). Quando olhamos o texto da tentação de Jesus vemos que Satanás ofereceu coisas consideradas importantes e gloriosas do mundo para Jesus (Mt 4.8). Tiago, o irmão do Senhor, deixou bem claro para os irmãos da sua época e para toda a posteridade que a verdadeira religião consiste, dentre outras coisas, em guardarmo-nos isentos da corrupção do mundo (Tg 1.27). O Mestre, por sua vez, falou-nos que nada aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua vida. Mesmo assim, Jesus, o filho único de Deus, foi enviado para morrer pelo mundo (Jo 3. 16).
Pelo que podemos compreender dos textos acima, percebemos que a palavra “mundo” apresenta uma certa polissemia ao ser empregada na Escritura. O significado do termo é tão rico quanto o é a variedade de incoerências que percebemos no mesmo emprego da palavra atualmente no meio cristão.
Desde nossa infância na igreja percebemos nos sermões pastorais as admoestações relativas aos perigos que o mundo representa para a igreja e os exemplos mais comuns que nos são dados dizem respeito às vestimentas, cabelo, namoros, uso de aparelhos eletroeletrônicos, contato com descrentes, dentre outros. Quando encontramos no nosso meio cristãos que fogem aos padrões nesses aspectos relacionados nós os consideramos mundanizados e à medida que os anos se passam vemos a igreja mais mundanizada, considerada a mundanização nos aspectos em que apresentamos aqui. Neste contexto, vemos as igrejas num dilema: aceitar alguns aspectos da mundanização, considerados muitas vezes irrelevantes diante do corpo doutrinário central da Escritura ou manter a postura rígida contra o mundanismo na igreja – a primeira atitude poderá arrebanhar mais fiéis, inclusive aqueles que consideram o viver cristão por demais austero, e a segunda, por sua vez, apresenta o risco aparente de continuar estagnada no que diz respeito ao aumento do número de membros. Fica fácil saber qual é a posição que as igrejas assumem no seu dia-a-dia.
Cumpre-nos, entretanto, rever aquilo que compreendemos atualmente como mundanismo atentando mais acuradamente para o que a bíblia parece querer expressar quando utiliza o termo mundo. Não queremos aqui dizer que a Escritura não mantenha uma postura consolidada com respeito ao modo como os cristãos devem trajar-se ou usufruir dos avanços tecnológicos, mas o que parece ficar evidente para nós é que os textos bíblicos pretendem conduzir-nos não apenas àquilo que na verdade seria apenas conseqüência do mundanismo – o modo de vestir-se, por exemplo – , mas ao que realmente fundamenta o mundanismo. Donald Stamps diz-nos que a palavra “mundo”, do grego kosmos, refere-se na verdade ao
“vasto sistema de vida desta era, fomentado por Satanás”, o qual “emprega as idéias mundanas de moralidade, das filosofias, psicologia, desejos, governos, cultura, educação, ciência, arte, medicina, música, sistemas econômicos, diversões, comunicação de massa, esporte, agricultura, etc, para opor-se a Deus, ao seu povo, à sua Palavra e aos seus padrões de retidão”.[i]
Considerando o termo mundo desta forma, percebemos que nos encontramos muitas vezes combatendo mais as características visíveis, palpáveis ou secundárias do fenômeno mundanismo – como é o caso do vestir-se, da postura sexual, do cuidado com as tecnologias, etc – do que com os fundamentos do que realmente ameaça a Igreja em todos os tempos. Quando agimos assim simplesmente podamos uma árvore que continuará a brotar no seio da igreja, pois estamos atacando apenas as suas folhas ou galhos enquanto as suas raízes poderão estar fincadas continuamente no meio da igreja. Ademais, quando resolvermos atacar as raízes mesmas do mundanismo perceberemos que as suas conseqüências atuais para a igreja vão para muito além dos aspectos relativos à indumentária, uso de tecnologias ou comportamento sexual e veremos que nosso comportamento cristão em geral, o que inclui o aspecto ético-moral, político e social encontra-se profundamente comprometido. Se as coisas realmente são assim, então estamos todos mundanizados, com nossas luzes embaixo do alqueire e na condição de sal sem sabor ou sem poder de preservação (Mt 5. 13-15).
É importante ainda, no intuito de reforçarmos o que temos dito até aqui, e aprofundando ainda mais esta concepção de mundanismo, mencionarmos a compreensão de John Stott em relação ao que significa mundanismo a partir da oposição constatada por ele entre intelecto e emoção, verificada efetivamente entre os crentes. Aos que negam qualquer possibilidade de se permitir a ingerência do intelecto nas coisas espirituais, pautando-se apenas por suas experiências espirituais elevadas sempre ao status de verdade última, inclusive a expensas da análise bíblica, Stott admoesta:
“Sinto muito ter de dizer que eles estão se auto-proclamando intensamente, como sendo crentes mundanos. Pois ‘mundanismo’ não é apenas uma questão (como fui ensinado a acreditar) de fumar, beber e dançar, nem tampouco aquela velha questão sobre embelezar-se, ir a cinemas, usar minissaias, mas o espírito do século. Se absorvermos sem qualquer exame os caprichos do mundo (neste caso, o existencialismo), sem que primeiro sujeitemos isto a uma rigorosa avaliação bíblica, já nos tornamos crentes mundanos.”[ii]
A análise do autor e sua definição de mundanismo, a partir de um exemplo prático, vêm fazer coro com o que apresentamos mais acima como sendo de suma importância para a igreja dos últimos dias – atacar o mundanismo em suas raízes para reduzir os seus efeitos no seio da igreja.
O exemplo analisado por Stott citado aqui envolve a polarização entre intelecto e emoção na vida de fé, mas o autor tratou de mais polarizações nesta sua obra, enfatizando sempre o modo como muitas vezes sacrificamos até mesmo a verdade bíblica em favor de uma noção culturalmente instituída – isto é, priorizamos muitas vezes aquilo que é do mundo em prejuízo daquilo que está claro na Escritura. É o caso, por exemplo, da polarização entre Evangelismo e Ação Social. Muitos cristãos consideram que não é também função da igreja melhorar a sociedade através de ações concretas, pois isso seria mundanismo. Stott, entretanto, cita Sir Frederick Catherwood, que assevera: “Procurar melhorar a sociedade não é mundanismo, mas amor. Lavar aos mãos da sociedade não é amor, mas mundanismo.”[iii]
Isso necessariamente deverá conduzir-nos a uma análise de todos os aspectos da vida dos cristãos da atualidade, pois através dela perceberemos em que faceta da nossa vida estamos sendo mundanos e em qual não estamos sendo. Para começar perguntemo-nos: Como temos agido no diz respeito às nossas responsabilidades sociais? Temos amado o nosso próximo e procurado ativamente o seu bem ou consideramos que isso é humanismo próprio de idealistas da sociedade? Sobre este ponto Stott diz-nos que
“um cristianismo que usaria a preocupação vertical [o ato da salvação de Deus na vida dos indivíduos] como um meio para escapar de sua responsabilidade pela vida comum do homem é uma negação do amor de Deus pelo mundo, manifestado em Cristo.”
Diz-nos ainda que “deve tornar-se claro que membros de igreja que de fato negam suas responsabilidades com o necessitado em qualquer parte do mundo são tão culpados de heresia quanto todos os que negam este ou aquele artigo de Fé”.[iv]
Se quisermos, portanto, não sermos mundanos neste aspecto de nossa vida de fé precisamos assumir nossas responsabilidades sociais, reconhecendo que “o problema jaz em encontrar o equilíbrio entre ‘proteger nossos próprios interesses’ e ter preocupação adequada pelo próximo, onde quer que ele esteja.”[v]
Perguntemos, em seguida: Como temos agido enquanto agentes políticos? Temos levado em conta a Escritura, através da qual Deus estabelece como fim dos governos o bem da sociedade (Rm 13.4a), ou temos acatado as práticas mundanas de enriquecimento próprio e favorecimento de grupos em prejuízo dos que mais precisam das ações do governo?
Também neste aspecto, se não quisermos, na condição de agentes políticos, andar conforme o mundo, precisamos olhar para a Escritura e não para o que o mundo ensina. Um exemplo clássico de mundanismo na política foi o pragmatismo de Jeroboão I. Mesmo tendo a promessa de Deus de que governaria sobre dez tribos, este rei receou no seu coração e, tomando conselho (fora da Escritura) fez dois bezerros de ouro para que Israel os adorasse nos dois extremos do reino (Dã e Berseba), sem que precisassem ir a Jerusalém adorar o Deus Verdadeiro (1 Rs 11.31;12.26-33). E para os que consideram que as ações políticas estão fora da esfera da religião e da verdade e, portanto, do pecado, foi registrado na Escritura que “este feito se tornou em pecado” (v. 30).
E na área moral, será que andamos conforme a ortodoxia bíblica ou também estamos sendo mundanos? Será que ainda sabemos a diferença entre o bem e o mal, o falso e o verdadeiro, ou estamos considerando que a verdade é relativa, à maneira dos relativistas? Estamos regulando nossos comportamentos sexuais pautados na Escritura ou na moral mundana? Será que o nosso modo de vestir-se espelha a visão bíblica de sexualidade ou a visão mundana? E sobre o casamento? E nossas noções de justiça, sinceridade, honestidade, retidão e pureza? Ainda as consideramos à luz dos textos bíblicos ou já foram substituídas pelas noções relativistas?
Esta pergunta nos suscita uma seguinte, no campo epistemológico: ainda cremos numa Verdade Absoluta acessível pela revelação de Deus? Ou será que, bem no fundo de nosso ser, achamos que o cristianismo é uma mera manifestação cultural de um grupo milenar?
A título de conclusão, podemos dizer que estas questões, evidentemente, podem ser aplicadas a muitas outras situações de nossa vida, aqui não mencionadas, mas fica o convite para as indagações à luz da verdade bíblica: Em que aspecto de minha vida estou vivendo ou agindo conforme o mundo e não segundo Cristo? Tais indagações certamente nos ajudarão a compreender admoestações bíblicas como as de João, de que não devemos amar o mundo, e expressões do tipo “o mundo jaz no maligno”, pois o príncipe deste século é o diabo, o pai da mentira (Jo 8.44). Sob sua influência é que foram e são elaboradas as filosofias e pensamentos que em geral fundamentam a base da existência humana em todos os aspectos de suas vidas. Para o cristão é imperativo destruir essas fortalezas através do resgate do modo de viver humano em geral, submetendo-o aos modelos bíblicos. Nossa estratégia não deve ser apenas defendermo-nos, mas atacarmos. Não com armas materiais, mas com as armas espirituais, tendo o cuidado de levarmos cativo todo entendimento a Cristo (2 Co 10.5) e não nos deixando sermos seduzidos pelo mundo.
Francisco Sulo
Esperantina, 15 de fevereiro de 2010.
[i] Donald STAMPS. Bíblia de Estudo Pentecostal, Rio de Janeiro: CPAD, 1995, p. 1957.
[ii] John R. W. STOTT. Cristianismo Equilibrado. 3ª ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1995, p. 23 (grifos nossos).
[iii] Idem, Ibidem, p. 57.
[iv] Ibidem, p. 63, 64.
[v] Dennis MCNUTT. Política para Cristãos (e outros pecadores). In: Panorama do Pensamento Cristão. Rio de Janeiro: CPAD, p. 438.
sábado, 10 de outubro de 2009
O Altruísmo de Jó (Este texto é parte integrante do meu pretenso livro "Altruísmo Bíblico", em fase de finalização)
terça-feira, 6 de outubro de 2009
OS CRISTÃOS E A POLÍTICA
Em primeiro lugar é importante aceitarmos que o fato de a Bíblia dizer que “a nossa cidade está nos céus” (Fp 3.20) não justifica que abdiquemos de nossa cidadania terrena, embora nesse ponto realmente pequem aqueles que vêem na detenção de poderes terrenos a materialização da promessa divina de herdar a terra (Mt 5.5; Sl 37.9). Ainda que o Senhor nos conceda o acesso a poderes terrenos devemos considerar a transitoriedade desse poder e os males relacionados a ele e, assim como Paulo, acreditar realmente que “a nossa cidade está nos céus” (Fp. 3.20).
Em relação ao segundo grupo de cristãos, que considera a necessidade da representação política num país marcadamente plural, como é o caso do Brasil, podemos afirmar que esses cristãos realmente têm razão quando afirmam isso. Precisamos de cristãos que defendam leis justas e que combatam leis que contrariem a vontade de Deus em todas as esferas decisórias de poder político. A questão é se realmente a intenção dos cristãos em se fazerem representar está fundamentada na necessidade de leis justas e do exercício da justiça social num país marcadamente desigual como o Brasil.
Ainda sobre os que consideram a política como uma esfera de poder exclusivamente sob o domínio de Satanás, não cabendo ao cristão inserir-se nela, afirmo que tal visão é absurda e só contribui para a desgraça do mundo. Contrariamente a essa postura a Escritura nos garante que “quando os justos se engrandecem, o povo se alegra, mas, quando o ímpio domina, o povo suspira” (Pv. 29.2; 11.10; 28.12). Devemos entender aqui que a Bíblia se refere ao governo dos justos em contraposição ao governo dos ímpios. A última posição – que afirma que a política é uma forma bem mais ampliada de se amar o próximo – será considerado mais adiante no decorrer do texto.
Cumpre assinalarmos, neste momento, que a mera chegada dos cristãos ao poder talvez ou certamente não mudaria em muito as coisas. Nancey Pearcey, ao mesmo tempo em que fala da crescente politização dos cristãos no seu país, ocorrida nos últimos anos, lamenta o fato de que os resultados não são muito satisfatórios, pois segundo ela “a política tende a espelhar a cultura e não o contrário”.[3] O que a escritora quer dizer é que muito do que acontece hoje no mundo, inclusive no meio político, não é resultado do fato de os governantes serem ou não cristãos. E é exatamente neste momento em que devemos questionar sobre os motivos que estão levando nossos irmãos em Cristo a concorrerem a cargos públicos. Seria apenas o desejo do poder em si mesmo? Ou estaríamos apenas inquietos pelo fato de que somente os outros grupos estariam tendo acesso às instâncias de poder? Por acaso estamos enciumados por não podermos participar da indicação, ao lado dos demais grupos, de cargos de alto ou segundo escalão ou por não estarmos tendo participação na distribuição ou interceptação de verbas públicas? Estaríamos meramente almejando os postos de coronéis regionais ocupados, muitas vezes, apenas por católicos, maçônicos ou outros grupos-não cristãos? Essas questões são pertinentes porque, conforme mencionou a autora, a política tem o modo de ser ditado pela cultura. Noutras palavras, as regras políticas em sua quase totalidade destoam dos princípios bíblicos de amor, justiça, honestidade e humanização dos povos, ou seja, não é a Escritura o substrato teórico e prático do mundo da política, mas o são exatamente os princípios filosóficos ateístas, dentre os quais podemos destacar o pragmatismo, o qual ensina que não há um “certo” ou um “errado” senão do ponto de vista prático.[4] É neste sentido que Pearcey afirma que a politização dos cristãos nos últimos anos fracassou. Isto é, os cristãos lutam pelo poder mas utilizam as mesmas armas para tanto, e, uma vez no poder, assimilam a mesma cultura política fundamentada em pressupostos antibíblicos que não contribuem para a anunciação do evangelho, muito menos para o bem da sociedade.
A partir da reflexão feita sobre o texto de Pearcey percebemos que precisamos de política, de fazer política e estarmos inseridos na política. O que deve mudar, entretanto, é a nossa visão sobre a política. Não devemos vê-la apenas enquanto espaço de disputas com os não-cristãos ou não-evangélicos, muito menos utilizá-la como forma de enriquecimento próprio ou de favorecimento de alguns grupos em detrimento de outros. Devemos utilizá-la para implantar a justiça entre os homens, anunciando, assim o evangelho de Cristo e, conseqüentemente, transformar a cultura. Sob esta ótica percebemos que não é nem mesmo necessário concorrer a cargos eletivos para cumprir com estes objetivos, embora ascender a postos políticos em muito contribua para tanto.
Utilizemos três exemplos para ratificar a idéia de que é possível fazer política justa tanto no exercício de cargo político como fora dele. Comecemos por Daniel. O profeta demonstrou que no exercício de um alto cargo político é possível anunciar o reino de Deus. Mas para isso ele não precisou de atitudes desonestas para ser escolhido para o cargo, nem participar da mesa idólatra e corrupta dos outros poderosos para se manter no poder (cf. Dn 2.48; 6.1 e 2; cap. 5). Agora perguntemo-nos: que métodos de campanha nossos candidatos cristãos utilizam? Estariam eles, a exemplo de como fazem os não-cristãos, por ocasião da realização de campanhas eleitorais, burlando as leis e comprando votos, fazendo promessas desonestas e enganadoras com o fim de arregimentar votos de pessoas simples e necessitadas de políticas públicas justas? E uma vez no poder, será que exercem a justiça, embora o fruto de tal virtude ou princípio não lhe agrade ou ameace sua permanência? Ou será que fazem parte de conluios que não têm em vista outro objetivo senão o enriquecimento próprio em detrimento do pão do pobre e do necessitado? Será que estão comprando o pobre por dinheiro e os necessitados por um par de sapatos (Am 8.6)? Estariam decretando leis injustas “para prejudicarem os pobres em juízo, e para arrebatarem o direito dos aflitos do meu povo...?” (Is 10.1 e 2). Infelizmente esse quadro é bem conhecido de nós, evangélicos, pois muitos dos nossos irmãos agem assim tanto no período de campanha eleitoral como depois de chegarem ao poder. E uma outra pergunta seria: é certo, do ponto de vista bíblico agir assim? Certamente que não. Mas os que assim fazem dirão: é possível chegar no poder e lá se manter de outra forma? Digamos que se Deus concedeu a José e a Daniel chegarem lá vivendo piamente e lá permanecerem sob a mesma piedade Ele nos ajudará a chegarmos lá também, se piamente agirmos nas campanhas eleitorais e no exercício do mandato.
Vejamos agora exemplos de como podemos ser políticos ou fazer política mesmo sem dispor de um cargo público. Tomemos o exemplo de Jó ou o exemplo dos primeiros cristãos, que viviam sob o cruel império romano dos primeiros séculos da era cristã. A Bíblia não diz que Jó dispunha de cargos políticos. Mas diz que ele “livrava o miserável, que clamava, como também o órfão que não tinha quem o socorresse” (Jó 29. 12). Diz ainda que Jó cobria-se de justiça e ela lhe era por veste (v. 14); que ele “era o olho do cego e os pés do coxo; dos necessitados era pai e as causas de que não tinha conhecimento inquiria com diligência; e quebrava os queixais do perverso e dos seus dentes tirava a presa” (v. 15-17). Ora, e isso não é fazer política, se considerarmos que agir politicamente envolve inclusive o embate com os poderes públicos na busca de justiça social para os pobres e necessitados? É impressionante como nunca somos ensinados nas igrejas a agirmos da mesma maneira que Jó. Observemos novamente o seu exemplo. Jó não estava apenas envolvido em atitudes de auxílio àqueles que por condições físicas ou sociais encontravam-se em situações difíceis. O patriarca de Uz algumas vezes precisava enfrentar os poderosos para poder resolver certas causas dos menos favorecidos. Para tanto, primeiramente Jó tomava conhecimento das situações opressivas para, em seguida, procurar resolvê-las. Dennis McNutt nos adverte que “o evangelho nos exige uma espiritualidade pessoal e pública”.[5] E na condição de “cristãos preocupados com a esfera pública, não devemos nos conformar só com atos individuais de decência e caridade para com o próximo”.[6] Precisamos, pois, mesmo na condição de cidadãos comuns, lutar por melhores condições coletivas de vida.
Mas vejamos ainda algo sobre os primeiros cristãos, conforme adiantamos acima. Em primeiro lugar lembremo-nos de que o modo de vida dos cristãos primitivos era eminentemente comunitário (cf. At. 2.42-47). Relutamos em aceitar isso como válido para os nossos dias, caracterizados que são pelo clima de individualismo que desde o surgimento da era moderna nos despiu de qualquer vestígio de comunitarismo. Entretanto esta atitude comunitária e altruísta viria a impressionar o império romano fazendo-o, inclusive, a também praticar o bem. Eduardo HOORNAERT, historiador, chega mesmo a, equivocadamente, atribuir a sobrevivência do cristianismo em pleno império romano ao seu modo de viver comunitário e altruísta. Sabemos, entretanto, que a sobrevivência do cristianismo é um projeto de Deus, embora isto não nos exima de viver de forma genuinamente cristã, isto é, amando em palavras, em atos e em verdade. O historiador, pois, observa que, naquela época os cristãos se davam mutuamente apoio moral, por ocasião de interrogatórios diante das autoridades romanas, visitavam os presos, prestavam assistência psicológica aos desesperados, alimentavam órfãos e viúvas, eram hospedeiros, criavam caixas de ajuda para momentos de urgência. Segundo ainda o autor, estas práticas continuaram ainda nos séculos subseqüentes ao século III, a ponto de o imperador Juliano, que tentou reprimir o cristianismo num império já oficialmente cristianizado, recomendar as autoridades locais que criassem “centros de assistência social e hospedagem como um dique contra a avassaladora penetração do cristianismo em meios populares”.[7]
Os exemplos dos primeiros cristãos, alistados acima, demonstram atitudes de altruísmo que transcendem o nível das ações individuais. Eles agiam em prol não de indivíduos isolados, mas em favor das comunidades inteiras, beneficiando, inclusive os próprios romanos. Agir coletivamente ou tendo em vista o bem coletivo é agir politicamente. Podemos, portanto, ser políticos e fazer política mesmo sem exercermos cargos políticos. O impressionante é que quando os cristãos fazem o bem os não-cristãos também são impulsionados a fazê-lo, embora muitas vezes o façam com outras intenções, como é o caso referido acima do imperador Juliano. Podemos inferir desses exemplos, pois, que quando agimos de forma cristã na política o evangelho é anunciado e é produzida uma contracultura cristã.
Agora nos questionemos: como é que temos agido em nossas comunidades? Temos considerado os problemas sociais como algo de nossa responsabilidade ou acreditamos que o chamado de Cristo não tem nada a ver com isso? Pensemos agora na política partidária propriamente dita: de que forma temos considerado a responsabilidade do voto? Minhas escolhas têm levado em consideração o bem da coletividade ou tenho buscado os meus próprios interesses? E finalmente: tenho evangelizado alguém através do modo como considero as minhas responsabilidades diante dos problemas da comunidade? Minhas atitudes têm feito as pessoas blasfemarem de Cristo ou elas têm sido impulsionadas a fazerem o bem e louvar a Deus?
É... política é muito mais do que tudo aquilo que temos considerado até aqui. Então, a título de conclusão é melhor aprendermos que ser cristão é seguir a Cristo em qualquer situação ou aspecto da vida cotidiana, inclusive na política. Precisamos abdicar da falsa crença de que “o cristianismo é restrito a uma área especializada de crença religiosa e devoção pessoal” [8] e começarmos a agir cristãmente diante do mundo. E a propósito do tema, é melhor começarmos pela política.
Esperantina, 30 de setembro de 2009.
[2] Cf. Dennis MCNUTT. Política para Cristãos (e outros pecadores). In: Michael PALMER (ed.). Panorama do Pensamento Cristão. 1ª edição. Rio de Janeiro: CPAD, 2001.
[3] Nancy PEARCEY. Verdade Absoluta. 1ª Ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2001, p. 20.
[4] Cf. William JAMES. Pragmatismo. São Paulo: Martin Claret, 2005. O grande pragmatista americano, William James, ao tratar da sua doutrina, disse: “Estou bem certo de quão singular deve parecer a alguns dos presentes escutar-me dizer que uma idéia é verdadeira na medida em que acreditar nela é proveitoso para nossas vidas” (p. 38).
[5] Dennis MCNUTT. Ibidem, p. 432.
[6] Idem, ibidem, p. 433.
[7] Cf. Eduardo HOORNAERT. As Comunidades Cristãs dos Primeiros séculos. in: Jaime PINSKY e Carla B. PINSKY. História da Cidadania. São Paulo: Cortez, p. 90 e 92.
[8] Nancy PEARCEY. Ibidem, p. 21.
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Antiintelectualismo
Vivemos uma era de paradoxos. Um desses paradoxos está relacionado ao modo como se lida com o conhecimento nos últimos tempos. Por um lado temos a chamada “sociedade da informação” ou sociedade do conhecimento”, caracterizada pela ampla difusão do saber, levada a cabo pelo avanço da tecnologia informacional. Não obstante a veiculação em massa do saber assistimos à demência de grande parte das pessoas em processar essas informações divulgadas pelos meios de comunicação, transformando-as em conhecimento sólido, digno de veracidade. Enquanto muitos recebem sem criticidade as informações veiculadas, comprometendo assim as suas crenças fundamentais sobre o universo e o homem, muitos outros ainda se mantêm distantes dessa sociedade do conhecimento. Noutras palavras, há muita informação veiculada mas há também, sobretudo entre as massas de países que não acompanharam o processo de industrialização ou mesmo entre os que estão em pleno processo, como é o caso do Brasil, um sentimento de repúdio ao saber que podemos denominar de antiintelectualismo.
Neste contexto cumpre à Igreja realizar uma reflexão sobre o processo educacional cristão no sentido de perceber as conseqüências que o antiintelectualismo traz para os fiéis, considerando-se que a Igreja do Senhor não está imune a esse mal. Para Valmir Nascimento, educador cristão, “esse mesmo espectro de antiintelectualismo surge freqüentemente para perturbar a igreja cristã, fazendo-a descrer tanto do ensino teológico sistematizado quanto da educação secular’.[2]
Não é raro vermos irmãos enfastiados da leitura e do ensino da Palavra de Deus, assim como é raro vermos um estudante secular verdadeiramente dado aos livros e aos estudos intensos. Pesquisa recente afirmou que o aluno brasileiro lê voluntariamente em média 1,7 livros por ano, motivo pelo qual esses mesmos alunos figuram entre os mais baixos níveis de compreensão e interpretação de textos em avaliações internacionais, como o Pisa.[3] Infelizmente, dentre esses mesmos alunos, aqueles que freqüentam a igreja mantêm a mesma apatia para com a Bíblia Sagrada e os ensinos da Palavra de Deus, sem falar da oração, do jejum e da consagração a Deus, práticas desprezadas pelos jovens destes últimos dias.
Este contexto de intelectualidade impõe à igreja, e especialmente à EBD, a preocupação para com a educação cristã, sobretudo quando se têm em mente que os cristãos precisam em todo o tempo “batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos” (Jd v.3) e estarem “sempre prontos para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós” (1 Pe 3.15). E se o cristão precisa estar inteirado da Palavra de Deus, através de meditações individuais ou ao ouvir preleções no templo, é também verdade que a Igreja precisa incentivá-lo na vida de estudos secular, para que os jovens cristãos também conquistem o seu espaço no mundo do trabalho e nas instâncias de poder do país.
Uma razão especial para que os cristãos não estejam de acordo com um “cristianismo de mente vazia” é a necessidade cada vez mais premente de se enfrentar a enxurrada de filosofias e conceitos ateístas e prejudiciais à fé que estão ocupando o cenário atual seja nas escolas ou até mesmo no interior das comunidades cristãs. César Moisés Carvalho, pastor, pedagogo, escritor, articulista e conferencista cristão, nos diz que precisamos “criar uma contracultura, ou seja uma ‘cultura com o fim de combater os valores culturais vigentes’”.[4] Para tanto faz-se necessário, diz o autor, produzirmos cultura cristã, “oferecer pasto para as ovelhas em vez de simplesmente uma cerca de arames farpados”.[5]
Somando-se a uma vida de oração, jejum e consagração uma atitude de deleite nos estudos bíblicos, evidentemente que o nível de espiritualidade da Igreja e as bênçãos do Senhor crescerão significativamente. É importante também enfatizar que estes aspectos da fé estão intrinsecamente relacionados, isto é, a própria prática de oração e jejum poderão ser resultados de uma maior dedicação aos estudos bíblicos, enquanto que a fome e sede da palavra de Deus poderá ser também suscitada pela dedicação que alguém dá ao tempo de oração e jejum. Uma visão reducionista poderá privilegiar apenas um desses aspectos, o que seria um equívoco.
Tomado dessa perspectiva, o progresso da Escola Bíblica Dominical poderá ser conseguido e poderão se vislumbrar, a partir daí, classes mais lotadas e ansiosas tanto para aprender de Deus quanto para ensinar às pessoas não-cristãs as verdades da salvação.
[1] Superintendente de EBD.
[2] Ensinador Cristão, nº 30, CPAD, p. 27.
[3] http://www.anj.org.br/jornaleeducação
[4] Ensinador Cristão, nº 30, CPAD, p. 9.
[5] Idem, ibidem.