domingo, 23 de maio de 2010

O PODER DA PALAVRA

Os estudos recentes sobre o livro do projeto Jeremias trazidos pela Lição da Escola Dominical me trouxeram reflexões que considero relevantes sobre o papel daquele que tem a função ou dom ou o ministério da Palavra de Deus ou da palavra em geral.

Os céticos obviamente lançarão um olhar preconceituoso sobre os profetas bíblicos, dada a importância que os oráculos sempre tiveram na manutenção dos sistemas religiosos opressivos, manutenção esta atribuída ao discurso religioso escatológico e apocalíptico com que os líderes religiosos (profetas) impunham o terror, a violência e a opressão nas comunidades religiosas, além de também utilizarem o discurso religioso para manter a desigualdade social ou a segmentação da sociedade.

Evidentemente que a ocorrência de sistemas religiosos opressivos e de profetas ou sacerdotes que lhes servem de oráculos, implantando a desigualdade e o terror não justificam que devamos acreditar na inexistência atual ou anterior de sistemas ou sociedades religiosas verdadeiros, bem como na inexistência de profetas ou líderes espirituais verdadeiros, como não deduziremos a inexistência da serpente coral verdadeira a partir da existência da falsa coral. O falso não anula o verdadeiro, mas dizermos que algo é falso e verdadeiro ao mesmo tempo e no mesmo sentido seria uma contradição.[1]

É por isso que cremos na Escritura Sagrada e que a mesma foi escrita por homens de Deus que falaram inspirados pelo Espírito Santo (2 Pe 1.21). Dentre estes estavam os profetas verdadeiros tais quais Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel, dentre muitos outros. Evidência da honestidade e verdadeira espiritualidade desses homens foi o fato mesmo de sofrerem oposição em seu ministério, a ponto de terem sido maltratados, martirizados, perseguidos (cf Hb 11.36 e 37), afinal, falavam a palavra do Deus verdadeiro que naturalmente vai de encontro a toda sorte de impiedade cometida em qualquer sociedade humana.

A atividade de exercer a palavra, humana ou divina, entretanto, acarreta ao falante uma grande responsabilidade. Se os verdadeiros profetas bíblicos sofreram todo tipo de oposição em seu ministério é porque a palavra verdadeira, quando falada, causa inquietação e incômodo aos que vivem de forma impiedosa. Lembremo-nos dos efésios que enriqueciam às custas da fabricação de ídolos da deusa Diana (cf. At 19.23-41); dos homens que lucravam com a jovem que tinha espírito de adivinhação (cf. At 16.19), e ainda dos assassinos de Estêvão, o primeiro mártir cristão (cf. At 7).

Mesmo entre grandes homens não cristãos que defendiam ideais que consideravam verdadeiros percebemos a inquietação causada pelas palavras que falavam. Foi o caso de Sócrates, acusado impiedosamente por homens que viam em suas palavras uma possibilidade de transformação do status quo e que não retirou as suas palavras mesmo sob condenação.

Há custos para quem fala a palavra, sobretudo a Palavra de Deus. Por outro lado muitos benefícios efêmeros podem advir da palavra falada que agrada aos ouvintes, sobretudo os que estão em eminência.
Daí que muitos oradores estejam encabeçando fileiras de todo tipo de movimento que surge no mundo, sobretudo a grande rebelião suscitada por Satanás para pôr a humanidade contra Deus. Com os corações ensoberbecidos pelo conhecimento humano corrompido se auto-intitulam portadores da verdade em favor de correntes malévolas do pensamento humano, como é o caso do relativismo, do pragmatismo, do existencialismo ou, enfim, do ateísmo. São profetas que, a exemplo de Hananias, falam contra a verdade, predizem eventos que não podem acontecer e levam a humanidade à rebelião contra o Criador (cf. Jr 28).

Esses profetas falam por Satanás e sofrerão o juízo eterno.

Há ainda os profetas que querem agradar a dois senhores, como fez Balaão (cf. Nm cap. 22 e 23). O filho de Zipor queria a um só tempo falar a Palavra de Deus e receber presentes dos que queriam amaldiçoar o povo do Senhor. Quantos não estão querendo agradar a Deus e ao mesmo tempo falam palavras amenas para os ouvintes que não estão de acordo a ouvir o evangelho inteiro! Muitos profetas de Deus estão, em troca de presentes de todo o tipo, torcendo a Palavra de Deus para agradar a homens opressores, agentes públicos que, em vez da justiça, exercem a opressão e a impiedade, mas que têm sobre si a bênção do líder espiritual ou profeta que deles se beneficiam de qualquer forma.

Alguns reis de Israel mantinham profetas de plantão para situações em que o povo precisasse ser dobrado às exigências do monarca idólatra (cf. 1 Rs 18.19). É lamentável que muitos profetas de Deus da atualidade estejam a serviço de autoridades corruptas da nação, em troca de favores, cargos, prestígio, privilégios, e em prejuízo da verdade de Deus.

Não nos esqueçamos dos jovens obreiros, oradores influentes e de futuro promissor na obra de Deus, que se curvam aos caprichos de líderes espirituais corrompidos e corruptos, que não têm mais a visão de Deus; tais jovens trocam a honestidade e um viver na Palavra de Deus por acessos a postos mais elevados nas hierarquias eclesiásticas, com o fim de formar os esquadrões de profetas de plantão. Não devemos confundir obediência às autoridades civis ou eclesiásticas com deixar de lado as Palavras de Deus. Se não puder haver um equilíbrio é imperativo optarmos pela Palavra do Senhor (At 5.29). Atentemos para a triste sorte de Hananias! (cf Jr 28.16 e 17).

Lidar com a palavra, portanto, requer responsabilidades, compromissos. Ou falamos em favor da verdade ou da mentira e quando falamos movimentamos idéias, opiniões, servimos de guia aos outros, de mestres, implantamos a justiça ou a injustiça. Nada mais conveniente do que sermos julgados por todas as nossas palavras (cf Mt 12.37).

Que o Senhor nos dê palavras de profunda sabedoria para falarmos uns aos outros.

Francisco Sulo
Esperantina, 23 de maio de 2010.

[1] Cf. as explicações de Sproul sobre contradição em: R. C. Sproul. Defendendo sua Fé: Uma Introdução à Apologética. Rio de Janeiro: CPAD, 37-38.

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